Shazam!

Billy Batson pronunciava esta palavra para invocar seus poderes divinos e se transformar no Capitão Marvel, e lutar pela justiça, em quadrinhos bem antigos. Por vezes, o vilão o amordaçava e ele se via em verdadeiros apuros…

Acredito em safe words (palavras de segurança). Para quem tá chegando agora, a safeword é uma palavra chave que o par Top/bottom escolhe, em comum acordo, e que, pronunciada pela(o) bottom, significa PARE. É um sinal de que alguma coisa está errada.

É um tema polêmico. Existe um grupo de pessoas que não vê necessidade de utilizar esse recurso. As razões são geralmente, de um lado,  o “supremo poder dos Tops que não irão parar por nada já que sua vontade é inquestionável e bottoms não tem direito a nada, etc”. ou as bottoms que “jamais utilizaram um recurso que demonstrasse que não são dignas de aturar tudo que seu Top quiser fazer com elas, etc.”

Para esse grupo de semideuses que não são tocados por acidentes, desejo toda sorte do mundo. Para os sonhadores que acreditam na magia do “tudo vai dar sempre certo”, fica minha cautelosa simpatia.

Eu, pobre mortal, pertenço ao grupo que acredita que acidentes acontecem, que uma pessoa pode se sentir mal, que o efeito de uma atividade pode ter resultados adversos que podem escapar à minha atenção por um instante ou que uma experiência proposta pode não ter funcionado como se gostaria.

Dito isto, meu maior desejo é não ouvir nunca a safe word. Pra falar a verdade, eu nunca ouvi (que eu me lembre). Isso não é autopromoção. Pode ser que eu seja um dominador cauteloso demais, ou que eu simplesmente preste bastante atenção.  E este é exatamente meu ponto aqui.

Ter outra pessoa em meu poder é uma imensa responsabilidade. Ainda mais se eu vou fazer dela massa de pão, gato e sapato, o que me aprouver, dentro do que foi acordado. Eu acho que quanto maior a atenção maior a excitação e a intensidade…liberdade.

Uma vez pronunciada, a safe word gera um momento de parada, avaliação, discussão, correção e o que mais vier como consequência. Que eu espero que seja aprendizado e crescimento.

Ela sempre será um sinal sobre algo que pode variar de “ei, esse nó ficou muito apertado e você não viu” a “não me senti bem ficando trancada no escuro”. Escute, examine, discuta.

Uma vez que se decida pelo uso da safeword, uma nova batalha surge: Que palavra escolher? Minha sugestão é: use uma palavra simples, pequena e fora do contexto.

Evite:

Escolha bem sua safeword…

  • Siim! Sim! Agora!
  • Não, não! Pare!
  • Supercalifragilisticexpialidocious ou pneumoultramicrovaricose
  • 84562345
  • “Pare, isso doeu!” ou “O que você pensa que está fazendo”
  • PFPA (por favor, pare agora) ou VAML(você atingiu meu limite)
  • “Isso é o melhor que pode fazer, Senhor?” ou “Palhaço”

As razões pelas quais as palavras acima são inadequadas me parecem óbvias. Caso não o sejam para você, mais uma vez boa sorte.

Prefira:

  • Jiló
  • Cirrose
  • Ditongo
  • Sogra
  • Bazinga

Ou em casos de emergência:

  • Dilma

Essa palavras curtas associadas a imagens desagradáveis ou engraçadas tem por objetivo cortar o clima. Dar um choque no cérebro do Top para que ele altere sua frequência. Use sua criatividade.

Bom, de posse de sua palavra novinha e brilhante, tá tudo resolvido né? Se for preciso a bottom vai falar e a gente vê como é que fica.

Mas…e se, como eu você gostar de amordaçar? Como é que fica a safe word? De que vale toda a explicação acima?

Você ia dizendo…

Bem. Em primeiro lugar, ao abrir mão do uso da voz, a bottom está demonstrando um grau de confiança extra. O mesmo vale para o uso de vendas, tampões de ouvido e quaisquer outros tipos de privação sensorial. Tudo isso exige uma relação sólida entre os participantes, convivência, conhecimento, harmonia. Não acho que devam ser tentadas por iniciantes, inexperientes ou pessoas que recém se conheceram.

Mas, uma vez atendidas as premissas acima, tudo é uma questão de criatividade. Andei pesquisando e achei algumas soluções propostas:

– A sub segura um objeto (bola de tênis, borracha, chaveiro, peso de ginástica, etc) e deixa cair simbolizando a safe word. Não sou muito fã dessa opção, por que dependendo da intensidade da interação, pode acontecer da preocupação com o objeto detonar o clima, ou a preocupação ir pro inferno numa entrega às sensações e excitação, e o clima ir pro ralo do mesmo jeito, por que o objeto vai cair. Mas, pode funcionar.

– A sub faz sinais com as mãos. Dependendo da visibilidade e do momento, as mãos podem não estar visíveis quando necessário. Pode funcionar, mas acho arriscado. No caso de uso de mittens (luvas de proteção sem divisão para os dedos) por exemplo, sinais vão ter que ser MUITO nítidos.

– A sub “murmura” uma melodia fácil (”jingle bell”, “parabéns pra você”), indicando que algo não vai bem. Dependendo do que não vá bem, murmurar uma melodia pode exigir uma energia não disponível no momento. Mas, pode funcionar.

A sub repete por um número fixo de vezes (3 é um bom número) murmúrios, gestos, de forma exagerada e veemente. Três “MMMMMMMMMMMMMMM” o mais alto possível, sob a mordaça, três movimentos com os membros, cabeça. O importante é demonstrar que a agitação e a repetição tem propósito, e não é uma movimento ou ruído espontâneo ou aleatório. Este é meu favorito.

Contudo, nenhum destes artifícios dará resultado se não houver por parte do dominador atenção, observação, conhecimento, sobre a pessoa que está com ele, qualquer que seja a prática sendo executada. Os detalhes, o ambiente, tudo tem que ser levado em conta. Opções de segurança e emergência tem que estar por perto, de antemão[1]

Ainda dá tempo…

E o mais importante, em relação à segurança: Quanto maior a restrição e o isolamento, maior tem que ser o cuidado. NUNCA deixe uma submissa sozinha e sem observação[2]

Mais uma vez eu chego ao mesmo ponto: Não importa o quão desequilibrada aparentemente seja a relação. Uma pessoa extremamente submissa e outra extremamente dominadora podem viver momentos intensos e prazerosos. Por trás das aparências, o equilíbrio estará lá, em uma camada visível e disponível apenas para quem está envolvido, se for um relacionamento que leve a sério todo poder envolvido.

Senão será só abuso, confusão, baixa autoestima, prepotência e falácia. Senão, tudo que escrevi até aqui não vale nada.

Eu acredito em vida, experiência, respeito e troca. Ao exercer meu poder sobre a outra pessoa, que o concedeu a mim, irei até o limite mais resistente, me aproveitarei de todas as oportunidades, usarei de todos os meus recursos, buscarei prazer e darei prazer (mesmo quando este signifique negar ao outro a liberação da tensão construída, alimentando-a para outra oportunidade). Mas eu só posso fazer isso se eu estiver atento ao outro. E quanto mais esse outro souber disso, mais seguro ele ficará. Menos chance eu terei de ouvir “ a palavra”.

Pra prestar atenção apenas em mim mesmo, eu tenho espelho em casa.

[1] Em meu texto “10 Dicasde Segurança Para a Prática do Kinbaku” menciono algumas opções que são válidas para  práticas BDSM não estritamente ligadas à cordas.

[2] Se for usar uma câmera, ela deve ser monitorada. Uma câmera que você não olha não serve pra nada. Nunca fique a uma distância maior que alguns metros se a submissa estiver em imobilização pesada, e tenha sempre material para a remoção rápida do que quer que a esteja prendendo. Preste sempre muita a atenção à respiração e à circulação sanguínea.

 

Post originalmente publicado em 6 de outubro de 2013

https://tecendoatrama.blog.br/

 

 

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