TOPs, não Deuses

por mar 16, 2018

Como eu não havia me dado conta antes que o BDSM é o poço onde concentramos nossos maiores ideais de perfeição e grandeza?

Seguindo umas linhas de pensamento que vez ou outra tenho a oportunidade de compartilhar com amigos sejam TOPS ou bottons eis uma reflexão a cerca do tema.

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Qualquer conversa amena ou passeio pelas notas, posts, tópicos ou mesmo blogs pessoais nos mostrarão algo que embora já tenha sito entendido como “normal” e “esperado” não tem nada de natural. Deixo claro se o título não o fez, me refiro a idealização que nós bottons fazemos constantemente da figura que os TOPS representam.Tal “cobrança” é tão intensa que até os próprios TOPS a fazem, sejam com eles mesmos ou com outros. Acho que essa necessidade de “sublimação” que criamos em volta das relações BDSM é parte da nossa necessidade por transcendência, que deseja além do ordinário e busca algum sentido para as coisas, as relações e as pessoas. Eleger ídolos também é algo que nós conhecemos desde cedo, seja através de histórias, personagens, games etc, chegando até aqueles que nos rodeiam, pais, professores, irmãos mais velhos. É natural, embora interceptável as vezes, que ao se aproximar do que consideramos fortes também nos sintamos desta forma. Com todos essa fatores aliados aos formatos das relações que vivemos aqui e a troca de poder que nós buscamos com intensidade não é de estranhar que os TOPS sejam colocados em pedestais tão altos que qualquer pequena queda despedace tudo.

Assumo sem receio o “mea culpa” por ser uma das que defendem um conjunto de “requisitos” para os TOPS, desde a postura, atitudes e coerência sem limites. Mas reconheço que por vezes somos extremamente rígidos no que exigimos. Não vou acentuar todos os fatores que nos lembram que TOPS são “humanos” “tem sentimentos” “sentem frio e calor” porque isso é desnecessário. Todos sabemos que ninguém pertence a uma raça superior e sabemos também que toda condição humana é aplicada a eles. O que quero lembrar é que a nossa fantasia é muitas vezes capciosa e a nossa mente uma eterna fugitiva, queremos de forma até inconsciente, deixar de ver o TOP em contextos em que ele apresente fragilidade ou “humanidade” e nos esforçamos por gravar um imagem que remeta apenas a poder, força, êxito e sabedoria infinita.

É bastante natural e digno de compreensão que queiramos testar os limites do TOP, sua dominação, sua inteligência, mas eu também acredito que em algum momento esses testes precisam dar espaço a compreensão de uma realidade maior, que inclui os percalços do dia a dia e a fragilidade que é parte dos dois lados do chicote. Eu entendo que talvez nosso receio em ver o TOP como um “reles mortal” pode vir da necessidade de hierarquia, é mais fácil assimilar a ideia de que nos sujeitamos a um “superior” do que a um igual. Se cessarem os testes, se eles não puderem a todo instante provar que são “melhores” do que nós, então por que nos submeteríamos a eles? Porque gostamos! O que remete a uma ideia que eu sempre tive, ninguém se submete para dar prazer ao outro e sim por sentir prazer, e é por isso que nossa submissão está tão condicionada. Se dizemos com orgulho que o TOP pode tudo, esquecemos de dizer que ele só não pode deixar de ser TOP. Condicionamos a nossa submissão a nossa fantasia e a idealização que fazemos deles. Não vejo problema em haver uma condição, desde que ela não seja extrema e fora da realidade.

Quantos textos nós vemos sobre como os TOPS devem lidar com os bottons em mil e uma situações diferentes que vão desde o sub drop ao luto? São inúmeros, assim como as dicas que o farão um TOP melhor. Por outro lado, pouco se lê de como os bottons devem encarar o momento de fragilidade dos TOPS, suas crises e necessidades, suas falhas e limitações. Parece que se o tirarmos do pedestal ele nunca mais será “digno” de voltar para lá. Não duvido que em um inicio de relação isso aconteça mesmo, já que ainda existe muita insegurança e a confiança está sendo construída, mas se essa fase já está bem encaminhada, por que não nos tornarmos mais realistas e menos rígidos naquilo que fantasiamos? É um exercício, afinal o que menos queremos é ter que lidar com amenidades que inundam nossa vida baunilha e causam angustia e desconforto. Queremos segurança e constância, mas é muito injusto que ao buscar isso façamos do TOP apenas a personificação daquilo que nos supre.

Eles não são Deuses, nem creio que devam buscar essa posição. A ideia que a submissão ensina, engrandece, torna melhor não pode pressupor que isso dependerá tão somente da posição dos envolvidos. Toda experiência pode nos ensinar, engrandecer e nos tornar melhores, mas isso depende muito mais de nós. Vincular ao TOP tal responsabilidade também não me parece justo. BDSM não é terapia, não é escola e nem muito menos é uma extensão da paternidade ou maternidade. Nós temos a chance de viver aqui de forma aberta e honesta o que não podemos viver lá fora, esperamos portanto viver isso com iguais para não sermos julgados ou medidos pelos nossos desejos. Aprisionar nossos TOPS em projeções que criamos não só é desonesto como cruel, tal regra também se aplica de TOP para bottom, mas me parece mais acentuada entre nós, que “endeusamos” para poder servir.

Não creio que devemos ser menos criteriosos ou condescendentes com relação a tudo. Mas penso que essa “cultura BDSM” que impõe e Dominadores e Sádicos um peso enorme por suas posições é irreal e fará com que nossas relações sejam sempre alienadas.
Embora eu entenda o quão embaraçoso pode ser lidar com esse fato, poder conviver com outras facetas e outras necessidades do TOP, não inválida sua Dominação nem o torna menos TOP. E tenho visto inclusive que é extremamente gratificante perceber que uma vez que ele conquistou a confiança necessária, não precisa se firmar como Dominador o tempo inteiro. Que a admiração move montanhas tanto quanto o “obrigação”. Que é importante conhecer saber a hora de baixar a guarda e que a tão falada entrega não precisa ser provada com práticas extremas. Eu espero que o tempo, a experiência e prática nos auxilie a tornar as relações cada vez mais “reais” menos baseadas em tão somente fantasia, mas não menos prazerosas ou desafiadoras.

Espero também que nós como bottons não foquemos toda a experiência de uma Ds ou SM no TOP. Que o crescimento tão falado ou a entrega tão desejada, seja primeiramente um esforço pessoal e que o TOP seja facilitador, mas não o único meio e muito menos a meta.

Sisceris

Masochist's Motto
I'll do my best
to take your worst.